Alphabet Boy

No meio da escrita desses textos em série, eu acabei me deparando novamente com a música de Melanie Martinez que intitula esse texto e, vejam só, tem todo o jogo do manipulador descrito de uma forma que boa parte desse texto é só tradução da letra.


Com a sua reguinha do alfabeto, o julgador está sempre medindo a vítima e tentando apagar o que foge ao seu alcance. Os aviõezinhos vão sendo preparados para minar a segurança da autocrítica. Ele a derruba e a reconstrói à sua maneira, num jogo de tentativa e erro, para que a concepção dela de si própria seja tão atrelada ao julgamento dele que ela aceitará qualquer crítica sua como verdade incontestável. E isso é só o começo do jogo.

O julgador é especialista em regras; tem referências; está acima do bem e do mal. Curiosamente, a sua maior e talvez única arma é a boca - na prática, não consegue fazer muita coisa pela autocrítica e talvez seja esse o ponto: ela faz as coisas, ele se engrandece no mundo dela falando de si próprio e se admirando ao infinito de modo que ele pense por ela e ela faça as suas vontades. Ele não se vira sozinho.

Na música, Melanie fala de uma troca interessante - e mesquinha - que acontece: o alphabet boy oferece uma maçã como desculpa, mas em outro momento é visto contando o seu dinheiro enquanto trata a autocrítica como uma criança. Crianças não contam dinheiro, sabe?

Se não ficou claro, o julgador precisa de alguém para explorar. E as cordas do seu joguinho são as fraquezas que ele aos poucos arranca da autocrítica, ou ela própria entrega de bom grado, já que, como dito no segundo texto, ela projeta nele alguém sadio e confiável.

E se o que não ficou claro é o porquê do "mesquinha" é que a relação se sustenta em cima do sacrifício completo de um dos lados, enquanto o outro lado usufrui dos benefícios, mas nunca está disposto a arcar com os prejuízos. Um exemplo, quando a autocrítica está mal, depois de já ter sido conquistada, todas as suas queixas são diminuídas, o que já indica qual é a sua real importância na mão do seu julgador. Ou mesmo o fato do que lhe é oferecido em troca dos seus serviços prestados - seja uma maçã ou um elogio genérico e mal dado que mal serve para levantar a autocrítica que já está muito embaixo, mas não tem confiança o suficiente para buscar compreensão em outro lugar.

O elogio, em alguns caso pode ser o que se disse em "Dividir e Conquistar": um rótulo. E é justamente o fato de ele segregar a pessoa dos demais que gera essa desconfiança. Afinal, se faz acreditar que só o julgador a entende. E, de brinde, condiciona a pessoa a repetir esse comportamento para manter o rótulo, uma vez que 1) a autocrítica ocupa um local pequeno na vida da julgadora; 2) ela é isolada - ou se isola - das outras pessoas que podem desenvolver os seus outros lados [isso para a julgadora é um perigo]; por conseguinte, 3) perdendo essa pequena importância na única pessoa que lhe restou, ela perde tudo.

E como isso acontece? Bom, é uma variação do que falamos no primeiro parágrafo: tentativa e erro. A autocrítica recebe o primeiro "aviãozinho", muda, recebe o segundo, muda, recebe o terceiro... não demora muito a os aviõezinhos começarem a vir de direções opostas - digo, críticas que dessa vez contradizem outras dessa mesma pessoa. Exemplo: A estava certo, mas é tido como ERRADO por motivos B e C: pensa "realmente, B e C fazem sentido, mas não negam A", mas vai pro B e C; B e C agora está errado, volte para o A. Nesse meio tempo, Alfabeto vai se expandindo com ajuda da própria autocrítica que, como já falamos, se abre e mune o julgador com mais aviõezinhos.

Acho caso não é simplesmente estar certo ou errado, mas ser alvo constantes de críticas que chegando num limite começam a se repetir em circulo. E círculos cercam. Sufocam. Principalmente se todas as suas tentativas são desconsideradas ou desvalorizadas. Receber uma maçã em troca de um esforço colossal, ou mesmo ser comparado a alguém que, supostamente, fez mais, mas é só carne fresca, é um indício do valor que o seu esforço recebe.

Vou finalizar o texto com um mimetismo animal:

Deixando de lado o exemplo óbvio de uma gaiola – onde o bicho fica preso e encurralado por todos os lados –, mas vocês já viram como os gatos derrotam os ratos? Eles os batem para várias direções, mas os mantendo ali dentro do alcance das suas patas. Quando os ratos entontam, eles devoram, ou jogam fora e vão procurar outra coisa para se distraírem.

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